O nordeste não é mais o país dos esquecidos.

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O nordeste não é mais o país dos esquecidos
Por José Amancio Macedo Santos*

Aqui é Nordeste, um país dos esquecidos. Essa é a forma como o artista Belchior descreve a região em sua canção “Onde jazz meu coração”. A região do semiárido nordestino sempre foi lembrada pela dureza de seu clima e pelas dificuldades que a seca impõe ao seu povo. Mesmo quando a ideia é exaltar a força de sua gente, as referências comumente tocam nas questões da natureza. Assim o faz Euclides da Cunha, num dos clássicos da literatura brasileira. Está lá, em Os Sertões: “o sertanejo é, antes de tudo, um forte”. A célebre frase exalta a força do corpo que resiste às intempéries do tempo. E nos orgulhamos dessa força.

De fato, o estereótipo que apresenta o sertanejo nordestino como um povo historicamente sofrido e esquecido não é mentiroso. Mas é incompleto!

O 1° Fórum Pense, Repense e Mude!, ocorrido em Piritiba-Bahia, é prova disso. E para demonstrar, antes de tratar do evento, precisamos apresentar Piritiba, uma típica cidade do sertão nordestino. Localizada a 320 Km da capital Salvador, na região do Piemonte da Chapada Diamantina, Piritiba é uma cidade cuja maioria dos seus 25 mil habitantes é de baixa renda; os indicadores apontam para uma educação básica de baixa qualidade; e a economia depende de uma chuva que não vem, a seca é quase uma certeza. Como resultado, Piritiba enfrenta o histórico problema do êxodo pela falta de qualificação e oportunidades para seus jovens. Certamente, neste cenário, encontramos fortes referências no imaginário coletivo relacionado às dificuldades vividas por este povo.

Chegou o tempo, entretanto, de apresentar o “outro lado da força”, e o 1° Fórum Pense, Repense e Mude! serve bem a este propósito. Realizado no dia 27 de julho de 2018, o fórum foi promovido pelo Instituto Tecnológico de Piritiba (ITPi) e seus parceiros. O ITPi reuniu na cidade representantes de diversas entidades capazes de promover a transformação econômica e social desejada para toda a região.

Havia representantes do poder público local, do Worldwatch Institute (WWI), do WWF-Brasil, da Neoenergia, do Sebrae, da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), de escolas municipais e estaduais, empresários, além de diversas associações locais. Este agrupamento de pessoas, sustentado pelo apoio da sociedade piritibana, debateu problemas e estabeleceu compromissos importantes, mas não para tratar dos problemas enfrentados pelo povo nordestino. A perspectiva mudou: foram tratados problemas enfrentados por todos os povos do planeta.

Pautado pelos 17 objetivos de desenvolvimento sustentáveis da ONU, o 1° Fórum Pense, Repense e Mude! teve forte ênfase nas questões ambientais e de tecnologia. O evento foi aberto com uma apresentação da recente, mas rica história do ITPi. A mensagem passada foi um chamado para consolidação de um novo modelo de governança, onde a força da sociedade civil organizada (o ITPi representa um destes agentes) tem papel central na geração de desenvolvimento social e econômico. Depois disso, o espaço foi tomado por discussões altamente relevantes para a transformação que o mundo atual precisa enfrentar.

Dia da sobrecarga da Terra, eficiência energética, o uso de plataformas digitais, startups, block-chain, e formação no pensamento computacional foram alguns dos assuntos abordados. Foi uma profusão de pessoas com conhecimentos diferentes reunidas para discutir um novo pensar. O evento se encerrou com alguns compromissos e grupos de trabalhos estabelecidos para que ações concretas sejam realizadas, visando atuar nos problemas locais para alcançar as transformações globais desejadas.

E tudo isso aconteceu em uma típica e sofrida cidade do sertão nordestino? Não! Tudo isso aconteceu em uma típica cidade do mundo, onde as pessoas estão tomando as rédeas do seu destino e do destino do planeta. O resultado dessas ações certamente fará com que o Nordeste deixe ser “um país dos esquecidos”, como sempre desejou Belchior. E a força do sertanejo, celebrizada pelo imortal Euclides da Cunha não será mais vista apenas em função de sua luta pela sobrevivência, mas pela transformação que causará em todo o planeta.

*É professor e pesquisador da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e Presidente do Instituto Tecnológico de Piritiba (ITPi) – zeamancio@gmail.com